O surgimento da crise económico-financeira mundial, levou-me a acreditar que algo iria mudar no processo de desenvolvimento dos povos. Confesso que fiquei contente pois, opiniões de consagradas figuras públicas, levaram-me a pensar que as minhas convicções sócio-políticas, fundamentadas na doutrina social da Igreja, poderiam ter seguimento, face ao fracasso do neoliberalismo.
Várias personalidades afirmaram que se iria operar uma mudança de paradigma no sistema económico e financeiro vigente.
Os donos do capital, porém, entenderam o repto como a necessidade de aperfeiçoar o neoliberalismo e de manter o “statu quo”, levando ao extremo o controlo dos mercados financeiros e a produção mundial. E logo se apressaram a impôr juros altíssimos e incomportáveis a países débeis e descapitalizados, restringindo esses empréstimos a cortes substanciais nas conquistas do chamado Estado Social.
Os portugueses, em dois anos, sentiram na carne as consequências nefastas dos ditames da troika, e o governo que partilha da mesma doutrina, rejubila em ver desmantelado o Estado Social, considerado a raiz de todas as maleitas.
Por este diapasão têm estado afinados quase todos os governantes dos países da União Europeia, ignorando as dificuldades sociais e financeiras dos povos europeus do sul. Como afirma o atual Presidente da República da Irlanda “os nossos dirigentes são incapazes de ter um discurso visionário.”
A crise, cujos prazos foram-se dilatando, está, entretanto,a atingir as fortes economias do norte e, por arrastamento, toda a Zona Euro e a estabilidade política e social da União.
Nada que já não tivessem previsto políticos e economistas quer do velho continente quer americanos como Paul Krugman – Nobel da Economia que ainda esta semana no seu blog do New York Times, apelava aos portugueses a dizerem não a mais austeridade. Neste sentido Michael Higgins, presidente da Irlanda acrescenta: “é um verdadeiro perigo deixar aumentar a pobreza, o desemprego e os discursos xenófobos, sem fazer nada. A população merece que seja desenvolvido um verdadeiro trabalho de reflexão sobre a economia e os seus valores” 1).
Mais contundente, Viriato Soromenho Marques, escreve no Diário de Notícias que “a ideia da União Europeia morreu em Chipre”. E acrescenta:” As ruínas da Europa como a conhecemos estão à nossa frente. É apenas uma questão de tempo. Este é o assunto político que temos de discutir em Portugal, se não quisermos um dia corar perante o cadáver do nosso próprio futuro como nação digna e independente." 2).
Face a este diagnóstico grave, esperava-se que comentadores políticos e económicos que diariamente se pronunciam nos “media”, fossem mais profundos na análise, propondo novas soluções. É que os cidadãos estão preocupados com o ambiente de crescente insegurança, face às medidas penalizantes anunciadas pelos governantes para encobrir a sua incompetência.
Assistimos, diariamente, a um deserto de ideias, a análises bafientas e descontextualizadas, que se limitam a culpabilizar, à exaustão, erros do passado, como se sobre eles se construísse um futuro diferente e promissor.
Os sinais de esperança desvaneceram-se num nevoeiro que envolve os cidadãos deste país. Preocupados com o seu amanhã estão os idosos, reformados e pensionistas, que se vêem forçados a alimentar a sua descendência no infortúnio que o desemprego lhes causa.
Da Europa, que agora nos exige todos os milhões que nos deu desde a pré-adesão, habituámo-nos a reivindicar sempre mais apoios, humilhando-nos ao ponto de nos considerarmos o país mais pobre do sul e a região atlântica mais periférica. Preferimos ir na cauda do pelotão, mesmo correndo o risco de sermos levados pelo carro vassoura.
Estamos à deriva, somos cada vez mais pobres e dependentes, e da Europa, com o paradigma económico vigente, não virá a mínima solidariedade.
Sobra-nos, no entanto, o orgulho de sermos uma nação com oito séculos, um povo repartido pelas quatro partidas do mundo, por onde expandiu uma língua e uma cultura humanista que sinalizam a matriz do nosso ser e querer.
Precisamos de contestar e de rejeitar cartilhas económicas injustas e destruidoras e, mesmo não tendo um paradigma alternativo e comprovado, proclamemos, como José Régio, aos quatro ventos:
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
(...)Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
1). Rev. Courrier Internacional, pag 13, Abril 2013
2). Viriato Soromenho Marques, Dário de Notícias de 26,março,2013
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